A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) decidiu, nesta semana, apertar o controle sobre a venda de medicamentos como Ozempic, Wegovy, Saxenda e Mounjaro, amplamente utilizados para emagrecimento, mesmo sendo originalmente indicados para o tratamento do diabetes tipo 2. A partir da publicação da resolução no Diário Oficial da União, os medicamentos da classe dos análogos de GLP-1 só poderão ser vendidos mediante apresentação e retenção de receita médica, com a nova regra passando a valer em 60 dias.
Quem explica é o médico nutrólogo e intensivista Dr. José Israel Sanchez Robles. Segundo ele, até então, esses medicamentos eram classificados como de tarja vermelha — exigindo prescrição médica — mas podiam ser adquiridos facilmente em farmácias de todo o país, sem a necessidade de reter a receita. “A facilidade de acesso, mesmo para uso off-label (fora da indicação da bula), tem gerado críticas de especialistas e entidades médicas, que alertam para os riscos da automedicação e da banalização desses fármacos”, pontua.
“A venda sem controle facilitava o uso puramente estético dessas substâncias, sem o devido acompanhamento clínico”, afirma o especialista. “São medicamentos potentes, que exigem avaliação médica cuidadosa, especialmente porque seus efeitos colaterais podem ser sérios.”
A decisão da Anvisa visa limitar justamente o uso indiscriminado das chamadas “canetas emagrecedoras”, muito procuradas por pessoas que desejam perder peso de forma rápida, mesmo sem quadro clínico que justifique o uso. De acordo com a agência, a prescrição continuará sendo de responsabilidade do médico, que pode indicar o medicamento para obesidade, mesmo que a bula mencione apenas o tratamento da diabetes — desde que avalie que os benefícios superam os riscos.
A decisão da Anvisa vem acompanhada de dados preocupantes: 32% das notificações de efeitos adversos relacionados à semaglutida — princípio ativo do Ozempic — estão ligadas ao uso fora das indicações aprovadas. A taxa é significativamente maior que a média global, que gira em torno de 10%, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Entre os efeitos mais relatados no Brasil está a pancreatite, inflamação grave do pâncreas, que corresponde a 5,9% das notificações por aqui — mais que o dobro da taxa registrada mundialmente (2,4%). “Esses números acendem um alerta importantíssimo”, explica José Israel. “A automedicação, especialmente com substâncias como a semaglutida, pode mascarar problemas clínicos sérios e levar o paciente a desenvolver complicações sem nem perceber.”
Em documento técnico, a Anvisa destacou que esses medicamentos ainda são considerados relativamente novos, com perfil de segurança a longo prazo ainda em construção. “O uso fora das indicações aprovadas em situações em que não há comprovação científica de segurança e eficácia pode colocar em risco a saúde dos seus usuários”, afirma a agência.
Com a nova resolução, a receita médica será retida pela farmácia, de forma semelhante ao que já acontece com antibióticos. A validade da prescrição será de até 90 dias, nos casos de tratamento contínuo, e o médico deverá especificar a quantidade exata para cada período de 30 dias.
As farmácias não poderão aceitar receitas fora do prazo, e o controle será feito com base na 2ª via do documento. O objetivo é evitar a reutilização de prescrições e garantir que o uso esteja realmente sendo monitorado por um profissional de saúde. “Isso dá mais segurança tanto para o paciente quanto para o profissional que acompanha o tratamento. Com a receita retida, torna-se mais difícil recorrer à farmácia para renovar o medicamento de forma irregular”, comenta o médico
Entidades como o Conselho Federal de Medicina (CFM), a Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica) e sociedades médicas de endocrinologia e diabetes vêm defendendo maior controle sobre os medicamentos usados para emagrecimento. Embora reconheçam sua eficácia em tratamentos específicos, alertam que o uso puramente estético e sem acompanhamento médico pode trazer sérios riscos à saúde. “A obesidade é uma doença crônica e multifatorial. Reduzi-la à estética é um erro grave”, afirma o nutrólogo.
Em carta divulgada no fim de 2024, as entidades médicas alertaram que a automedicação com esses fármacos prejudica o acesso dos pacientes que realmente precisam do tratamento. “A gente precisa pensar em saúde metabólica, em hábitos duradouros e não em soluções milagrosas”, completa o médico. Outro ponto de atenção é a manipulação desses medicamentos em farmácias. A Anvisa decidiu não proibir essa prática, mas reforçou que irá monitorar os dados dessas produções com mais rigor. “A manipulação sem fiscalização rígida pode ser ainda mais perigosa do que o uso indiscriminado da versão industrializada”, alerta José Israel.